Do texto de Vera França, "Experimentando as narrativas no cotidiano" (2006), dentre tantas passagens, plenas de importância para os estudos comunicacionais, educação e transmídia, chama a atenção o esmero em mapear as questões envolvendo as reflexões sobre os processos comunicativos (p. 89-90).
Ao apresentar a substituição da abordagem que opunha os “meios de comunicação versus sociedade” (p. 89), recupera os estudos de Martin-Barberó (2009) e avança ao considerar tanto o fato de “vivermos em uma sociedade globalizada” (p. 91), assim como o desenrolar de nossas vidas, no cotidiano, o que a autora desenvolve na seção “experimentar esteticamente o cotidiano” (p. 99-102), em que ela resume os estudos sobre “estrutura social e mobilidade simbólica” (p. 92-98). Trata-se de uma abordagem relevante para os estudos sobre narrativas e mídias na contemporaneidade.
Recorto, inicialmente, a recorrência a Certeau (2009), com os seus estudos sobre as estratégias e as táticas dos praticantes, que se evidencia neste trecho
”Feita de práticas complexas, marcadas pela presença e cruzamento de várias instâncias (os interlocutores, a produção discursiva, a inserção contextual), a comunicação é atravessada por relações de força, mas não trata-se de um jogo de cartas marcada, pois como a força da atuação de cada instância não é definida a priori, mas in loco, os elementos em jogo ganham pesos diferenciados.” (p. 92)
Neste “jogo” ,não só “os elementos ganham pesos diferenciados”, como, também, adquirem e alternam sua carga de simbolismo: uma mesmo ato de praticante pode/deve (re)constituir-se de maneira diferenciada em seus usos.
Como exemplo de uma situação cotidiana, diante de uma abordagem policial na operação “Lei Seca”, quantas são as justificativas para o consumo de álcool pelos motoristas “negativados”?! Creio que proporcional à criatividade e/ou estado etílico...
Para o policial, apesar de seguir um protocolo, os modos, as maneiras variam tanto em quantidade quanto em valor simbólico, o que se verifica nos abusos cometidos pelas autoridades, mesmo no exercício de uma ação necessária nos trânsitos do Rio de Janeiro, assim como as soluções inusitadas, encontradas pelos motoristas flagrados em estado de embriaguez.
Uma das motivações para este “experimentar esteticamente o cotidiano”, relaciona-se ao fato de que:
“Quando pertencentes a uma comunidade de linguagem e ação, empenhados na modelagem de um mundo comum, os sujeitos compartilham diversas mediações simbólicas (conceitos, jogos de linguagem, formas instituídas, que são orientadas não apenas por racionalidades de tipo estratégico (de natureza técnica ou instrumental) mas também por uma racionalidade, propriamente estética, que se manifesta através de uma atitude específica.” (p. 99-100)
Julio Roitberg (16/01/2012)
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2009.
GUIMARÃES, C.; FRANÇA, V. Experimentando as narrativas no cotidiano. In: GUIMARÃES, C.; FRANÇA, V. (Orgs.). Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p.89-108
MARTIN-BARBERÓ, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura, hegemonia. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.